sexta-feira, 28 de agosto de 2009

EM MIM

Em mim,
Existem elementos puros e incertos,
Existem margens de rios inacabados,
Um coração com leito adiado,
Existe o norte e o sul,
E estradas que mos trazem inteiros,
Existe um tempo, para além do tempo,
Um calendário,
Em escritas calmas de diário,
E uma fúria de mar,
De onda rebebentada no cais.
Existe uma viagem constante
De arrais.
Um sol intenso e laivos de cegueira,
E um oiro secreto no peito.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

CORPO INCENDIADO

Os momentos breves do incêndio de corpos,
A sofreguidão das bocas,
A tua pela acesa entre as minhas mãos,
Voláteis.

As dobras ausentes dos corpos, arredondados,
Por fim a labareda das almas,
Como o crepitar do lume macio,
Em noites de frio intenso.

Esta combustão sem intervalo
De fogo preso, esta agonia de mundos
Silenciados.

Abro na tua pele uma cratera de fogo,
Qual insecto sedento de seiva
Seminal.

As coxas firmes, sedosas,
Sangram de prantos e de noite adiada.
Na tua boca murmurada,
Ouço a respiração rouca, outonal.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

PEOPLE AIN'T NO GOOD (After Cave)

People ain't no good.
Continuas na minha cabeça,
Voltas agora como no passado
Os mesmos gestos e olhar.

E eu tento fixar o momento na tela
Deste papel diante de mim.
Escrevo um capítulo e mais outro,
para tentar esquecer
Um copo e mais outro até
A garganta doer.

Uma manhã após outra,
Meses e anos na esperança
que possas aparecer.
Prometo que não vai doer.

COISAS

Coisas em recanto de sótão, caixas, cartas, cartas inacabadas, dolorosas e com bolor dos dias de tentativa de esquecimento.

Brinquedos desfeitos, carroussel, cama de bonecas, cavalo de papel, infância amontoada ou restos dela.

Livros, papel, alma amarrotada, folhas soltas, brancas, amareladas, projectos de livros, pedaços de vida à espera de morte.

Sombras e teias e cinza, pó e olvido. Pedaços de luz, texto que se traduz, ou traduziu, cheiro a bafio.

Jogo de letras, palavras, texto inacabado em sótão. Sótão inacabado sob o sol tórrido de Agosto. Telhas partidas em recanto de sótão da alma sofrida.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

PRESCRIÇÃO

A poesia deve ser usada com moderação,
Após três dias de produção contínua
Começam a ser evidentes os primeiros sintomas
de habituação, com resultados nocivos
para a existência dos menos avisados.

Uma leitura poética frequente pode causar
tonturas, estados de confusão e uma enorme
vontade de defecar.
Aconselha-se o uso de preservativo nos
livros, para prevenir a incontinência seminal,

Posologia: um(a) ao deitar e outra ao levantar,
A leitura contínua provoca impotência
a longo prazo. Aos primeiros sintomas
retomar a vida prosaica, monótona,
monogâmica.

SILÊNCIO

É um silêncio ensurdecedor

Aquele que te vem do fundo do peito,

Nem uma palavra soprada

Nem vento, brisa ou alento.

Tudo perigosamente calmo.

Como uma bomba deitada no feno.

Despe-se onde me deito.

E o silêncio opaco persiste.

E toma conta de mim.

Paisagens de papel

Início

Existe sempre um início,

Um princípio, uma porta aberta.

Tudo o resto irá agora começar.

Um começo,

Uma porta de mar.

Os inícios são reservas de esperança,

Cheias, a transbordar.

Antes do fim, do fecho

Do encerrar.