domingo, 3 de janeiro de 2010

Sonho de ano novo

1.
Rasgou-se o cenário na orla do dia,
na recôndita dobra do ventre.
O calendário fissurou o tempo
e plátanos seculares
invadem agora o presente.
Recortadas sobre o chão lodoso
as folhas espalham poesia ao som do vento:
o som do silêncio
ecoava dentro da caixa selada
do peito.
O teatro, deus meu!
O Teatro!
A encenação de cada palavra
como um acto singelo.
Ao livro só falta um leitor.
Um único leitor que seja.

2.
Tenho andado embarcado,
à deriva.
Sem destino ou ponto
de partida.
Vivo no cais, rua do farol,
número um.
Daqui, deste vértice de terra e rochas,
avistam-se gaivotas
e nos movimentos desenhados de asas
reside a minha vida.
E a minha própria morte embarcada.
Espero um dia que esse barco me visite,
um dia límpido,
um barco azul de quilha alva, cortante.
Abraçá-lo-ei no intervalo de duas ondas,
como água de uma doçura impossível.

3.
Acordei esta noite sem água na memória
tudo secara, até as tuas mãos secas,
os dedos ossudos, desérticos
o anel boiava no dedo esguio.
Quando retomava o sono, tudo parecia
mais espaçoso e os jardins não mais necessitavam
de água, as flores rumorejavam
como asas de libéluas,
numa geometria de fogo pirotécnico.

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