a cidade das colinas visita-me de novo
sinto a sua pele na minha
e vou esculpindo o poema
ergo andaimes à volta dele
grande nu artístico
nas avenidas da cidade
reconheço outros poemas
outros poetas
lá vai o pessoa-poeta, não funcionário
já passa das nove horas da noite
subindo a avenida
no seu passo decidido, mecânico
e decidido
a gabardina enfunada
como a vela de uma nau
lutando contra a chuva oblíqua
nas ruas fala-se espanhol
por entre a multidão
cruzo-me com artistas
a caminho do oriente
pincelando caligrafias natalícias
a noite desceu-me na boca
desceu o seu manto
e as prostitutas exibem longas pernas
e ligas e meias de malha larga
apertando as coxas de veludo
aqui fora está um frio psicológico
de rachar conventos
desço à cave
onde paredes pintadas de noite
dançam em ritmos sincopados
peço uma garrafa e dois copos
um para cada mão
a música incha-me a alucinação
da penumbra
entram espectadores com casacos de noite
o ar vai aquecendo até ficar sufocante
dum lado e do outro, nas mesas
os corpos desprendem-se do chão
no ritmo oscilatório das cordas
aos batimentos da pele tensa das carótidas
as veias desenhadas no pescoço
do soprador, engrossam
até encher os copos de vinho
tudo dança, tecto e paredes
nas sombras projectadas de flashes
O jazz, dizem,
é um antídoto para a vida monótona:
tonifica
desconstrói
corrói
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domingo, 6 de dezembro de 2009
SUBSTÂNCIAS
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sábado, 28 de novembro de 2009
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
ARTE CÍCLICA
Há exposição de arte no museu do ciclismo:
quadros de bicicleta com rodas empenadas
e cavaletes com suas damas montadas
o parque em frente folheia o catálogo
de árvores, numa chávena manguito.
as águas sulfúreas desaguam nos cisnes,
e estes, roxos de volúpia voam em espirais.
quadros de bicicleta com rodas empenadas
e cavaletes com suas damas montadas
o parque em frente folheia o catálogo
de árvores, numa chávena manguito.
as águas sulfúreas desaguam nos cisnes,
e estes, roxos de volúpia voam em espirais.
domingo, 15 de novembro de 2009
2012
2012 - Cheguei a casa como se tivesse regressado de um planeta de outra galáxia. O que a Ficção Científica nos pode fazer à cabeça.
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
CONVENTOS
Como uma monja que se recolhe, ou uma criança que explora uma torre, subiu as escadas, deteve-se na janela, chegou ao quarto de banho. Ali estava o pavimento verde e a torneira a gotejar. Era um vazio perto do centro da vida; um sótão. As mulheres devem deixar os seus adornos. Ao meio-dia, devem despir-se. Espetou o grampo na almofada e deixou o chapéu amarelo de plumas sobre a cama. Os lençóis passados estendiam-se numa longa faixa branca. A sua cama seria cada vez mais estreita. A vela queimara-se até metade, pois lera até tarde as "Memórias do Barão de Marbot". Lera pela noite dentro, até à retirada de Moscov. Pois o Parlamento funcionava até uma hora tão avançada que Richard insistia em que ela, depois da doença, repousasse sem distúrbios. E, na verdade, preferia ler tranquilamente a retirada de Moscov. Ele sabia-o. De modo que o quarto era um sótão, a cama estreita; e ao ficar ali deitada, a ler, pois sofria de insónia, não podia despojar-se de uma virgindade preservada desde a infância e que lhe aderia ao corpo como uma túnica. Adorável quando menina, chegou, súbitamente um instante - junto ao rio, nos bosques de Clieveden, por exemplo - em que por alguma retracção desse frio espírito, se sentira falhar. E depois, em Constantinopla, e outras vezes mais. Via o que lhe faltava. Não era beleza; não era inteligência. Era essa coisa central, que se comunica; alguma coisa de cálido que quebra a superfície e encrespa o frio contacto de homens e mulheres, ou de mulheres entre si.
in Mrs. Dalloway, Virgínia Woolf, pag. 30-31, Ed. Livros do Brasil
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
ÀS VEZES É BOM DESCER À TERRA
"LXXI
Quanto mais o homem cultiva as artes, menos se entesa.
Cria-se um divórcio mais sensível entre o espírito e o bruto.
Apenas o bruto se entesa bem e a fornicação é o lirismo
do povo.
Fornicar é aspirar a entrar num outro, e o artista nunca sai de
si próprio.
Esqueci-me do nome daquela porca... Ah! bah! Hei-de reencontrá-lo
no dia do juízo final
A música dá a ideia do espaço.
Todas as artes, mais ou menos; pois elas são número e o número é uma
tradução do espaço.
Querer todos os dias ser o maior dos homens!"
in O Meu Coração a Nu, Charles Baudelaire, Guimarães Editores, 1988
Quanto mais o homem cultiva as artes, menos se entesa.
Cria-se um divórcio mais sensível entre o espírito e o bruto.
Apenas o bruto se entesa bem e a fornicação é o lirismo
do povo.
Fornicar é aspirar a entrar num outro, e o artista nunca sai de
si próprio.
Esqueci-me do nome daquela porca... Ah! bah! Hei-de reencontrá-lo
no dia do juízo final
A música dá a ideia do espaço.
Todas as artes, mais ou menos; pois elas são número e o número é uma
tradução do espaço.
Querer todos os dias ser o maior dos homens!"
in O Meu Coração a Nu, Charles Baudelaire, Guimarães Editores, 1988
terça-feira, 3 de novembro de 2009
ILFORD
Ontem descobri na minha carteira um papel velho, misturado com cartões, pedaços de identidade, algumas fotografias deformadas na bordadura de renda.
O papel dizia qualquer coisa imperceptível, transportada dum tempo incerto: pela primeira vez pensei ser o tempo certo para escrever as memórias.
Voltei a colocar o papel amarrotado no separador da carteira.
Pensei: uma fotografia a preto e branco pode levar-nos intimamente a uma labareda da alma esquecida.
O papel dizia qualquer coisa imperceptível, transportada dum tempo incerto: pela primeira vez pensei ser o tempo certo para escrever as memórias.
Voltei a colocar o papel amarrotado no separador da carteira.
Pensei: uma fotografia a preto e branco pode levar-nos intimamente a uma labareda da alma esquecida.
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
TÚNEL DE VÔO
Hoje entrou-me um pombo
na alma.
Atravessou-me o portal
dos olhos.
(em forma de abóbada
de berço)
Os cães, ao sentir tal ser esvoaçante,
anicharam o seu corpo quente
nas omaplatas.
Através desse portal avisto
o universo inteiro:
montanhas de lixo
rios com portagem
poços de chuva
gente veloz
caixas de papel
corpos de sombra
A felicidade deve ter-me visitado,
em forma de pássaro.
na alma.
Atravessou-me o portal
dos olhos.
(em forma de abóbada
de berço)
Os cães, ao sentir tal ser esvoaçante,
anicharam o seu corpo quente
nas omaplatas.
Através desse portal avisto
o universo inteiro:
montanhas de lixo
rios com portagem
poços de chuva
gente veloz
caixas de papel
corpos de sombra
A felicidade deve ter-me visitado,
em forma de pássaro.
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
RUA OBLÍQUA
Desci a rua, fui a um bar: Marula. Ou talvez não fosse um bar. O balcão era em forma de barco e os clientes atiravam setas uns aos outros, até acertar no alvo. Bebi um copo de fogo e a minha alma ardeu momentaneamente, ou talvez as labaredas fossem mais prolongadas. No fundo do balcão uma jovem loura enverga um vestido de xadrez. Podia dar-lhe xeque-mate em dois lances. De seguida entrou um homem calvo, decidido. Calvo e decidido a beijá-la na boca do meu fogo. Ela pareceu-me não jogar bem e as mãos do homem embrutecido movimentavam-se no tabuleiro macio, de encontro ao balcão. A perna dele pressionava-a de encontro ao balcão e eu bebo mais um cálice de fogo.
As horas passam, mas estou lá há menos de vinte minutos. Os dardos cruzam-se à minha frente em trajectórias oblíquas, desafiando as bolas de fogo lançadas no hálito das bocas. Um dente de ouro reluz de encontro à lingua da loira. A bola de fogo torna-se incontrolável e o barman afunda-se um pouco mais no seu barco. Senta-se e fuma um cigarro. O alvo anuncia-se vitorioso e eu volto a casa atravessando as ruas estreitas, de luzes amareladas. Talvez vá dormir um pouco: ou cobrir.
As horas passam, mas estou lá há menos de vinte minutos. Os dardos cruzam-se à minha frente em trajectórias oblíquas, desafiando as bolas de fogo lançadas no hálito das bocas. Um dente de ouro reluz de encontro à lingua da loira. A bola de fogo torna-se incontrolável e o barman afunda-se um pouco mais no seu barco. Senta-se e fuma um cigarro. O alvo anuncia-se vitorioso e eu volto a casa atravessando as ruas estreitas, de luzes amareladas. Talvez vá dormir um pouco: ou cobrir.
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