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domingo, 6 de dezembro de 2009

TOO HOT (a cave da cidade)

a cidade das colinas visita-me de novo
sinto a sua pele na minha
e vou esculpindo o poema
ergo andaimes à volta dele
grande nu artístico
nas avenidas da cidade
reconheço outros poemas
outros poetas
lá vai o pessoa-poeta, não funcionário
já passa das nove horas da noite
subindo a avenida
no seu passo decidido, mecânico
e decidido
a gabardina enfunada
como a vela de uma nau
lutando contra a chuva oblíqua
nas ruas fala-se espanhol
por entre a multidão
cruzo-me com artistas
a caminho do oriente
pincelando caligrafias natalícias
a noite desceu-me na boca
desceu o seu manto
e as prostitutas exibem longas pernas
e ligas e meias de malha larga
apertando as coxas de veludo
aqui fora está um frio psicológico
de rachar conventos
desço à cave
onde paredes pintadas de noite
dançam em ritmos sincopados
peço uma garrafa e dois copos
um para cada mão
a música incha-me a alucinação
da penumbra
entram espectadores com casacos de noite
o ar vai aquecendo até ficar sufocante
dum lado e do outro, nas mesas
os corpos desprendem-se do chão
no ritmo oscilatório das cordas
aos batimentos da pele tensa das carótidas
as veias desenhadas no pescoço
do soprador, engrossam
até encher os copos de vinho
tudo dança, tecto e paredes
nas sombras projectadas de flashes

O jazz, dizem,
é um antídoto para a vida monótona:
tonifica
desconstrói
corrói

SUBSTÂNCIAS



Drugs

And all I see is little dots
Some are smeared and some are spots
Feels like a murder but that’s alright
Somebody said there’s too much light
Pull down the shade and it’s alright
It’ll be over in a minute or two.

I’m charged up...don’t put me down
Don’t feel like talking...don’t mess around
I feel mean...i feel o.k.
I’m charged up...electricity

The boys are making a big mess
This makes the girls all start to laugh
I don’t know what they’re talking about
The boys are worried, the girls are shocked
They pick the sound and let it drop
Nobody know what they’re talking about

I’m charged up...I’m kinda wooden
I’m barely moving...i study motion
I study myself...i fooled myself
I’m charged up...it’s pretty intense.
I’m charged up...don’t put me down
Don’t feel like talking...don’t mess around
I feel mean...i feel o.k.
I’m charged up...electricity.

in Fear of Music, Talking Heads, 1979

sábado, 28 de novembro de 2009

ELÉCTRICO

Há um desenho meu no blogue de um(a) grande poeta e amiga. Aqui

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

ARTE CÍCLICA

Há exposição de arte no museu do ciclismo:
quadros de bicicleta com rodas empenadas
e cavaletes com suas damas montadas
o parque em frente folheia o catálogo
de árvores, numa chávena manguito.

as águas sulfúreas desaguam nos cisnes,
e estes, roxos de volúpia voam em espirais.

domingo, 15 de novembro de 2009

2012

2012 - Cheguei a casa como se tivesse regressado de um planeta de outra galáxia. O que a Ficção Científica nos pode fazer à cabeça.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

CONVENTOS

Como uma monja que se recolhe, ou uma criança que explora uma torre, subiu as escadas, deteve-se na janela, chegou ao quarto de banho. Ali estava o pavimento verde e a torneira a gotejar. Era um vazio perto do centro da vida; um sótão. As mulheres devem deixar os seus adornos. Ao meio-dia, devem despir-se. Espetou o grampo na almofada e deixou o chapéu amarelo de plumas sobre a cama. Os lençóis passados estendiam-se numa longa faixa branca. A sua cama seria cada vez mais estreita. A vela queimara-se até metade, pois lera até tarde as "Memórias do Barão de Marbot". Lera pela noite dentro, até à retirada de Moscov. Pois o Parlamento funcionava até uma hora tão avançada que Richard insistia em que ela, depois da doença, repousasse sem distúrbios. E, na verdade, preferia ler tranquilamente a retirada de Moscov. Ele sabia-o. De modo que o quarto era um sótão, a cama estreita; e ao ficar ali deitada, a ler, pois sofria de insónia, não podia despojar-se de uma virgindade preservada desde a infância e que lhe aderia ao corpo como uma túnica. Adorável quando menina, chegou, súbitamente um instante - junto ao rio, nos bosques de Clieveden, por exemplo - em que por alguma retracção desse frio espírito, se sentira falhar. E depois, em Constantinopla, e outras vezes mais. Via o que lhe faltava. Não era beleza; não era inteligência. Era essa coisa central, que se comunica; alguma coisa de cálido que quebra a superfície e encrespa o frio contacto de homens e mulheres, ou de mulheres entre si.

in Mrs. Dalloway, Virgínia Woolf, pag. 30-31, Ed. Livros do Brasil

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

MÚSICA

Quando a música navega na cabeça como um barco naufragado.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

ÀS VEZES É BOM DESCER À TERRA

"LXXI
Quanto mais o homem cultiva as artes, menos se entesa.
Cria-se um divórcio mais sensível entre o espírito e o bruto.
Apenas o bruto se entesa bem e a fornicação é o lirismo
do povo.
Fornicar é aspirar a entrar num outro, e o artista nunca sai de
si próprio.
Esqueci-me do nome daquela porca... Ah! bah! Hei-de reencontrá-lo
no dia do juízo final
A música dá a ideia do espaço.
Todas as artes, mais ou menos; pois elas são número e o número é uma
tradução do espaço.
Querer todos os dias ser o maior dos homens!"

in O Meu Coração a Nu, Charles Baudelaire, Guimarães Editores, 1988

terça-feira, 3 de novembro de 2009

ILFORD

Ontem descobri na minha carteira um papel velho, misturado com cartões, pedaços de identidade, algumas fotografias deformadas na bordadura de renda.
O papel dizia qualquer coisa imperceptível, transportada dum tempo incerto: pela primeira vez pensei ser o tempo certo para escrever as memórias.
Voltei a colocar o papel amarrotado no separador da carteira.
Pensei: uma fotografia a preto e branco pode levar-nos intimamente a uma labareda da alma esquecida.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

TÚNEL DE VÔO

Hoje entrou-me um pombo
na alma.
Atravessou-me o portal
dos olhos.
(em forma de abóbada
de berço)
Os cães, ao sentir tal ser esvoaçante,
anicharam o seu corpo quente
nas omaplatas.
Através desse portal avisto
o universo inteiro:

montanhas de lixo

rios com portagem

poços de chuva

gente veloz

caixas de papel

corpos de sombra

A felicidade deve ter-me visitado,
em forma de pássaro.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

RUA OBLÍQUA

Desci a rua, fui a um bar: Marula. Ou talvez não fosse um bar. O balcão era em forma de barco e os clientes atiravam setas uns aos outros, até acertar no alvo. Bebi um copo de fogo e a minha alma ardeu momentaneamente, ou talvez as labaredas fossem mais prolongadas. No fundo do balcão uma jovem loura enverga um vestido de xadrez. Podia dar-lhe xeque-mate em dois lances. De seguida entrou um homem calvo, decidido. Calvo e decidido a beijá-la na boca do meu fogo. Ela pareceu-me não jogar bem e as mãos do homem embrutecido movimentavam-se no tabuleiro macio, de encontro ao balcão. A perna dele pressionava-a de encontro ao balcão e eu bebo mais um cálice de fogo.
As horas passam, mas estou lá há menos de vinte minutos. Os dardos cruzam-se à minha frente em trajectórias oblíquas, desafiando as bolas de fogo lançadas no hálito das bocas. Um dente de ouro reluz de encontro à lingua da loira. A bola de fogo torna-se incontrolável e o barman afunda-se um pouco mais no seu barco. Senta-se e fuma um cigarro. O alvo anuncia-se vitorioso e eu volto a casa atravessando as ruas estreitas, de luzes amareladas. Talvez vá dormir um pouco: ou cobrir.