sexta-feira, 30 de outubro de 2009

FINAL DE UMA ODE

Acontece assim: tiro as pernas do balcão de onde via um sol de inverno se pondo no Tejo e saio de fininho dolorosamente dobradas as costas e segurando o queixo e a boca com uma das mãos. Sacudo a cabeça e o tronco incontrolavelmente, mas de maneira curta, curta, entendem? Eu estava dando gargalhadinhas e agora estou sofrendo nosso próximo falecimento, minhas gargalhadinhas evoluíram para um sofrimento meio nojento, meio ocasional, sinto um dó extremo do rato que se fere no porão, ai que outra dor súbita, ai que estranheza e que lusitano torpor me atira de braços abertos sobre as ripas do cais ou do palco ou do quartinho. Quisera dividir o corpo em heterônimos - medito aqui no chão, imóvel tóxico do tempo.

Ana Cristina César

in Poesia Brasileira do Sec. XX, pag. 264-265, Ed. Antígona, 2002

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